sábado, 27 de junho de 2009

Metáforas do morro

O livro começa desde o início a causar questionamentos: será Marquinhos, a quem o livro é dedicado, um agente do tráfico que teve o destino - dito pela sabedoria popular - igual ao de todo traficante, o de morrer jovem? Ou será Marquinhos um jovem vítima de uma bala perdida, causada pelo acirramento entre traficantes e policiais?


Na nota do autor, é percebido o sacrifício feito por ele para que pudesse concluir o livro "a gente não pode se dar ao luxo de pensar em fracassar", é o que ele diz. Isso serve como metáfora para os sonhos da população pobre, a falacia da midia dizendo que quem quer consegue, para que o proletariado se mantenha no seu lugar produzindo a riqueza da classe dominante. Mais à frente, ele diz que que foi a única, de todas as pessoas da periferia, a aparecer viva em determinado jornal, ironizando outro aspecto da midia que é o de que em uma favela só existe prostituição, bandidagem, pessoas que se contentam com a miséria, que jogam seu lixo à céu aberto, que mantém vícios e que se mantém silenciosa, com relação aos traficantes, e ainda mais, será que os habitantes das favelas só interessam à imprensa quando estão mortos?


Há também um recado para o "Querido sistema" como se fosse um prenuncio de que haverá um dia em que a empregada, mãe de seis filhos e moradora de favela irá se rebelar.


Outro fato que aparece é a televisão. A televisão no livro,tem a função de ser um calmante diário para a classe pobre do país, ocupando o papel de antagonista da sociedade brasileira. É através dela e só através dela, que os pobres podem se ver numa realidade melhor, e outra discussão que aparece também é a da violência e do sexo que aparecem na midia, pondo em jogo que seja este o principal responsavel pela violência e erotização dos adolescentes e não, como a propria "vilã" procra transmitir, o funk.


Ainda no aspecto da midia, vemos que os signos da televisão são passados para os personagens de maneira muito simbólica. Como o personagem que recebe o nome de Chapolin e os bordões utilizados por alguns personagens como a expressão "do pântano".


Em certo momento no desenrolar da historia, é dito que naquela hora, não estava passando na televisão nada que prestasse. Outra ironia que surge no texto e nos faz perguntar: "Em algum momento, a televisão exibe algo que presta?


Há uma relação de metáfora também entre a televisão/salario mínimo/aprisionamento mental. A escravatura acabou, mas para compensá-la, o sistema cria a televisão e o salario minimo para manter uma minoria sociológica sob seu dominio, formando uma neo escravatura.


O livro demonstra também uma preocupação muito importante com relação ao que está por trás das coisas que fazem parte do nosso cotidiano. O rico só pode comprar um carro importado. porque explorou a força de trabalho de um pobre. Deslocando a classe favorecida socioeconomicamente de seu status imponente para revelar que o que eles possuem depende da subserviência da classe oprimida.


O personagem Matcherros, a certo ponto do livro diz que nunca será um "Robocop" do governo,referindo-se ao exame da Policia Militar.


Em outra parte, um personagem é assassinado e percebe-se o descaso das autoridades com a população, em que cidadãos morrem em filas de hospitais e isso nada representa para o governo.
Também surge o candomblé com o seu sincretismo religioso com o catolicismo, visto que o pai de santo cita três divindades cristãs: Pai, filho e Espírito Santo. Uma herança herdada dos tempos de senzala.


Sobre a religião há também uma crítica a uma afirmação bastante controversa da Igreja Católica, por mostrar um Jesus loiro, incompativel com seu local de origem. E também é posto em dúvida se o céu dos cristãos seria um lugar de igualdade, já que, por ser uma construção humana, e a sociedade se dividir em classes sociais, no céu seria diferente.


Aparece também a "Maria", aqela mulher que é explorada no trabalho e tratado com indiferença pelos patrões, assim como há outras milhares de "Marias" no Brasil.


Em uma passagem do livro, Rael diz: "Bom dia Capão! Bom dia, Vietnã!" mostrando que a favela é um local onde se presencia a guerra todos os dias, seja porque há garotos tornando- se traficantes que, por sua vez, se tornam estatísitcas de assasssinatos nas periferias, ou porque um pai ou uma mãe tem que ser humilhado diariamente para não perder o emprego.


A policia aparece como uma traidora da ordem pública, que deveria "proteger" os cidadãos honestos dos "bandidos traficantes" mas que na verdade, compactuam com estes, em troca de propina, tal qual seus superiores: a elite.


Os personagens, frequentemente, usam discursos impregnados de ideologia religiosa como "se Deus permitir", "da trairagem nem Jesus escapou" e "seDeus é por nóis, quem será contra nóis". Talvez procurando acreditar que há algo melhor do que o que eles vivem, que eles podem ter um destino melhor que o da páginas policiais e para isso se refugiem nas suas crenças.


Tio Chico, se espanta com a "grandeza" física" da Igreja Universal do Reino de Deus, mas o que está realmente por detrás disso é que o bispo Edir Macêdo, tira dinheiro dos seus fiéis, vive em meio ao luxo, e prega para os seguidores pobres de sua igreja uma mensagem de "Deus é amor".
Num parágrafo, há a metáfora entre correr atrás de uma pipa e correr atrás de um sonho. Mostrando o quão alto a pipa/sonho está e o tremendo esforço que temos de fazer para conseguir alcançá-la, o que não acontece na maioria da vezes.


Capão Pecado é um livro que nos faz refletir não apenas na favela, como também na classe pobre brasileira em geral, pois os "metódos" utilizados pela elite para oprimir o pobre, são os mesmos dentro ou fora da favela.E que nossa sociedade se conscientize em busca da igualdade social.

quarta-feira, 10 de junho de 2009

Fábula de Millôr Fernandes

A RAPOSA E O CACHO DE UVAS


Uma raposa faminta, ao ver cachos de uva suspensos em uma parreira, quis pegá-los, mas não conseguiu. Então, afastou-se dela, dizendo: “Estão verdes.”
Assim também, alguns homens, não conseguindo realizar seus negócios por incapacidade, acusam as circunstâncias.
Esopo

Texto II
A RAPOSA E AS UVAS


De repente a raposa, esfomeada e gulosa, fome de quatro dias e gula de todos os tempos, saiu do areal do deserto e caiu na sombra deliciosa do parreiral que descia por um precipício a perder de vista. Olhou e viu, além de tudo, à altura de um salto, cachos de uvas maravilhosos, uvas grandes, tentadoras. Armou o salto, retesou o corpo, saltou, o focinho passou a um palmo das uvas. Caiu, tentou de novo, não conseguiu. Descansou, encolheu mais o corpo, deu tudo o que tinha, não conseguiu nem roçar as uvas gordas e redondas. Desistiu, dizendo entre dentes, com raiva: “Ah, também, não tem importância. Estão muito verdes.” E foi descendo, com cuidado, quando viu à sua frente uma pedra enorme. Com esforço empurrou a pedra até o local em que estavam os cachos de uva, trepou na pedra, perigosamente, pois o terreno era irregular e havia risco de despencar, esticou a pata e... Conseguiu! Com avidez colocou na boca quase o cacho inteiro. E cuspiu. Realmente as uvas estavam muito verdes!

MORAL: A FRUSTRAÇÃO É UMA FORMA DE JULGAMENTO TÃO BOA COMO QUALQUER OUTRA.

terça-feira, 9 de junho de 2009

O gigolô das palavras - Luís Fernando Veríssimo

Quatro ou cinco grupos diferentes de alunos do Farroupilha estiveram lá em casa numa mesma missão, designada por seu professor de Português: saber se eu considerava o estudo da Gramática indispensável para aprender e usar a nossa ou qualquer outra língua. Cada grupo portava seu gravador cassete, certamente o instrumento vital da pedagogia moderna, e andava arrecadando opiniões. Suspeitei de saída que o tal professor lia esta coluna, se descabelava diariamente com suas afrontas às leis da língua, e aproveitava aquela oportunidade para me desmascarar. Já estava até preparando, às pressas, minha defesa ("Culpa da revisão! Culpa da revisão !"). Mas os alunos desfizeram o equívoco antes que ele se criasse. Eles mesmos tinham escolhido os nomes a serem entrevistados. Vocês têm certeza que não pegaram o Veríssimo errado? Não. Então vamos em frente.


Respondi que a linguagem, qualquer linguagem, é um meio de comunicação e que deve ser julgada exclusivamente como tal. Respeitadas algumas regras básicas da Gramática, para evitar os vexames mais gritantes, as outras são dispensáveis. A sintaxe é uma questão de uso, não de princípios. Escrever bem é escrever claro, não necessariamente certo. Por exemplo: dizer "escrever claro" não é certo mas é claro, certo? O importante é comunicar. (E quando possível surpreender, iluminar, divertir, mover... Mas aí entramos na área do talento, que também não tem nada a ver com Gramática.) A Gramática é o esqueleto da língua. Só predomina nas línguas mortas, e aí é de interesse restrito a necrólogos e professores de Latim, gente em geral pouco comunicativa. Aquela sombria gravidade que a gente nota nas fotografias em grupo dos membros da Academia Brasileira de Letras é de reprovação pelo Português ainda estar vivo. Eles só estão esperando, fardados, que o Português morra para poderem carregar o caixão e escrever sua autópsia definitiva. É o esqueleto que nos traz de pé, certo, mas ele não informa nada, como a Gramática é a estrutura da língua mas sozinha não diz nada, não tem futuro. As múmias conversam entre si em Gramática pura.


Claro que eu não disse isso tudo para meus entrevistadores. E adverti que minha implicância com a Gramática na certa se devia à minha pouca intimidade com ela. Sempre fui péssimo em Português. Mas - isso eu disse - vejam vocês, a intimidade com a Gramática é tão indispensável que eu ganho a vida escrevendo, apesar da minha total inocência na matéria. Sou um gigolô das palavras. Vivo às suas custas. E tenho com elas exemplar conduta de um cáften profissional. Abuso delas. Só uso as que eu conheço, as desconhecidas são perigosas e potencialmente traiçoeiras. Exijo submissão. Não raro, peço delas flexões inomináveis para satisfazer um gosto passageiro. Maltrato-as, sem dúvida. E jamais me deixo dominar por elas. Não me meto na sua vida particular. Não me interessa seu passado, suas origens, sua família nem o que outros já fizeram com elas. Se bem que não tenho o mínimo escrúpulo em roubá-las de outro, quando acho que vou ganhar com isto. As palavras, afinal, vivem na boca do povo. São faladíssimas. Algumas são de baixíssimo calão. Não merecem o mínimo respeito.


Um escritor que passasse a respeitar a intimidade gramatical das suas palavras seria tão ineficiente quanto um gigolô que se apaixonasse pelo seu plantel. Acabaria tratando-as com a deferência de um namorado ou a tediosa formalidade de um marido. A palavra seria a sua patroa ! Com que cuidados, com que temores e obséquios ele consentiria em sair com elas em público, alvo da impiedosa atenção dos lexicógrafos, etimologistas e colegas. Acabaria impotente, incapaz de uma conjunção. A Gramática precisa apanhar todos os dias pra saber quem é que manda.